Presidente da União Distrital das IPSS de Santarém defende "apoio ao custo real da prestação de serviços"
No âmbito do Dia Internacional da Solidariedade, o NS esteve a conversar com Tânia Gaspar, presidente da União Distrital das Instituições Particulares de Segurança Social de Santarém (UDIPSS) para conhecer os desafios e que estas associações enfrentam.
Tânia Gaspar é licenciada em Desenvolvimento Comunitário e Saúde Mental e pós-graduada em Economia Social. É responsável pelas relações institucionais e economia social e pelos serviços de comunicação da Animar – Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local.
Como principais desafios das IPSS do distrito define as dificuldades financeiras e defende uma alteração do modelo de Estado Social, especialmente no que diz respeito ao financiamento das IPSS, que na sua opinião deve ser feito pelos serviços prestados e não pela quantidade de utentes que apoia.
NS: Qual é que é o papel das IPSS na nossa sociedade hoje em dia?
TG: Essa é uma questão que nos daria para estarmos aqui horas. Eu acho que basta olharmos para aquilo que elas fazem. Ou seja, as IPSS têm um papel primordial na prestação de serviços na área da infância, do apoio à deficiência e do apoio às pessoas mais velhas. Mas não se esgota aí, porque independentemente dessa ser a função mais óbvia, elas acabam por ter aqui uma outra função, que é a questão da criação de emprego local.
Se nós olharmos para aquilo que é, os dados da conta Satélite da Economia social vêm demonstrar a relevância deste setor para a criação de emprego local. Mesmo quando houve aqui um período mais complicado por causa da pandemia e em que este setor acabou por manter aquilo que era a sua dinâmica, aliás, foram ainda mais desafiadas à prestação dos seus serviços. Por outro lado asseguram uma componente de apoio às famílias em direto. Porque se eu tenho um filho numa creche ou se tenho um pai num lar, no imediato eles são os primeiros beneficiados, mas eu também sou beneficiado. Indiretamente. Quando se coloca a pergunta do papel das Instituições Particulares de Solidariedade Social nas comunidades, eu diria mesmo que elas têm aqui um papel essencial e primordial naquilo que é o funcionamento e o bem estar em comunidade.
NS: Qual é a missão da UDIPSS-Santarém?
TG: A União Distrital das IPSS de Santarém acaba por ser por ter aqui um papel intermédio em termos de orgânica. Portanto, temos acima de nós a CNIS – Confederação Nacional das Instituições Particulares de Solidariedade Social, que, essa sim, é a entidade que faz depois toda a componente de lobby e advocacia deste deste setor ou desta família, vamos assim dizer. E a União Distrital acaba por ser aqui quase como uma antena mais de âmbito local. O nosso papel é precisamente a relação de proximidade com as instituições que estão no terreno, dentro daquilo que é a nossa missão. O que é que nós, de alguma forma, fazemos para honrar esta missão? Portanto, eu diria que quase como se nós estivéssemos organizados em três pilares um pilar da advocacia, desta defesa de interesses das entidades associadas naquilo que é o reporte dos problemas das entidades à CNIS, ao Centro Distrital da Segurança Social, com quem nós também temos uma relação de parceria, ou outras entidades que possam ter um papel primordial nesta nesta equação. E depois, por outro lado, a levar esta mesma informação para as instituições. Sempre que há uma uma publicação de um normativo de ela funciona como informação, naturalmente, mas também quase como as orientações para o trabalho das organizações das instituições.
Também temos um papel muito importante na capacitação de dirigentes e de técnicos. E quando aqui técnicos de equipas das IPSS poderão ser técnicos superiores ou auxiliares. Nós procuramos, dentro daquilo que é a nossa oferta formativa, ter formação diferenciada para aquilo que é o papel dos dirigentes, os desafios que se colocam à gestão. Por outro lado, a consciencialização daquilo que é hoje em dia ser dirigente associativo, as obrigações que se colocam e procuramos sempre ter isso cada vez mais presente, porque efetivamente os tempos são outros e aquilo que no passado não eram problemas hoje em dia poderão ser até pela questão do conflito de interesses. Por outro lado, a questão dos técnicos. Ou seja, procuramos sempre estar atentos àquilo que são as necessidades técnicas e procurar formação que possa satisfazer essas necessidades. E também ao nível das auxiliares. Por último, o pilar da comunicação. Ou seja, nós procuramos dar visibilidade àquilo que é o trabalho destas instituições, não só naquilo que são os nossos meios de comunicação, que temos uma newsletter quinzenal, como também sempre que são solicitadas a identificação de boas práticas de projetos por parte de outros parceiros, nós acabamos por identificar dentro da nossa rede e dar essa divulgação. E, paralelamente, também fazer divulgação das próprias atividades desenvolvidas pelas associadas.
NS: Que desafios enfrentam as IPSS do distrito de Santarém
TG: O distrito de Santarém nestes últimos tempos teve a capacidade de se posicionar para aumentar aquilo que é a sua capacidade de resposta nas diferentes áreas de atuação, ou seja, a área da infância a área do apoio aos idosos, através do o acesso a financiamento do PRR, embora depois, a partir daí, venham muitas outras questões associadas, como os desafios dos projetos e todas as limitações à contratação pública e afins. Mas efetivamente, o PRR foi uma oportunidade para o aumento da capacidade na área do setor social e solidário no distrito de Santarém.
Há uma questão que se coloca que é em termos de sustentabilidade das organizações. Ou seja, nós temos um modelo de Estado Social que financia não pelo aquilo que é o funcionamento das organizações, mas pelo o número de utentes por cada resposta nas instituições. E atualmente os desafios são outros. Porque aquilo que eram, se calhar as necessidades para um utente de uma IPSS há dez anos ou mais não se compadecem com aquilo que são os desafios hoje em dia, até porque os efeitos do envelhecimento e da inversão da pirâmide demográfica acabam por nos colocar também outras exigências.
Hoje em dia temos pessoas institucionalizadas com outras necessidades que antigamente não existiam. Desde a questão da saúde mental, a questão dos AVCs e das necessidades de fisioterapia e afins que se calhar no passado não se colocavam. Portanto, quando temos um modelo social em que o financiamento é pela pessoa e não pelo serviço que é prestado à pessoa, há aqui qualquer coisa que não bate a bota com a perdigota.
NS: Como vê o futuro das IPSS à luz das mudanças sociais e económicas em Portugal?
TG: Questão que eu acho que é indiscutível, que é o papel de parceria pública social que estas organizações têm com o Estado e, portanto, de alguma forma ele tem que ser continuado, até porque estas entidades prestam um serviço que o Estado não consegue prestar de outra forma. E desde logo pela questão do custo.
Eu acho que é indiscutível que tem que se procurar, eu diria, quase um novo modelo de Estado Social. Só é possível continuarmos este tipo de relação e que as as entidades prestem o seu serviço se começar a haver uma outra lógica de funcionamento com apoios ao custo real da prestação de serviços, ao invés daquilo que é o custo previsional de um utente. Se não houver aqui um aumento das taxas de comparticipação para aquilo que é efectivamente o custo real, pelo menos nos 50%, é incomportável.
O distrito de Santarém é um dos distritos que posso dizer que temos tido mais situações de entidades a recorrer ao Fundo de reestruturação do sector Social. Há entidades a fechar precisamente por causa daquilo que são as dificuldades financeiras e de subsistência.
NS: Devia haver mais apoios do Estado para a valorização das carreiras no setor social?
TG: Claramente. Começando pelos dirigentes. Aquilo que é o estatuto do dirigente actualmente é o mesmo que foi previsto na lei quando ela foi criada na década de 80 e não se compadece. Numa direcção só uma pessoa pode ter o estatuto de dirigente associativo. Eu acho que isso tem de ser consoante as funções da pessoa e o tempo de trabalho voluntário que dedica. Há uma coisa que é o voluntariado de causas e outra coisa que é o voluntariado associativo e não há essa diferenciação quando nós temos um setor que vive de gestão voluntária.
Essa gestão voluntária deveria ter repercussões naquilo que é o tempo de trabalho dedicado por parte destes dirigentes associativos e deveria ter alguma mais valia para estas pessoas. É por isto que as pessoas não se interessam em ser voluntárias. Portanto, se houvesse um outro tipo de benefícios para quem desempenha o cargo de dirigente voluntário, se calhar haveria mais dirigentes voluntários.
Por outro lado, aquilo que a gestão de uma organização, quando ainda por cima é voluntária, não pode só atribuir um estatuto de dirigente voluntário a uma pessoa. Há pessoas com diferentes funções e diferentes perfis e que tem o mesmo direito, porque tão importante é o presidente ou o vice presidente, pelas questões de representação, como é importante o tempo de trabalho do tesoureiro para acompanhar a gestão financeira da organização. Acho que as coisas não não podem ser tão taxativas e indexadas a um número de associados desta forma.
É imprescindível a questão da valorização e do reconhecimento de quem trabalha neste sector, não só por ser um sector, se calhar complementar aquilo que é o público. Não era descabido haver uma carreira complementar que pudesse ser equiparada. Como, por outro lado, há uma outra coisa que temos de ter em atenção, que é sobretudo as auxiliares, que é um trabalho duro a nível físico e a nível emocional. E isso não tem qualquer tipo de reconhecimento ou de valorização. E depois pagamos o salário mínimo. As organizações até podem querer pagar mais, mas também não conseguem.
NS: Apesar de se dizer que Portugal é um Estado Social, sentem que a área social está esquecida e desvalorizada?
TG: Sendo justa, acho que tem havido uma tendência para olhar para o sector social e solidário. Se me perguntar a atenção que tem sido dada é suficiente? Não, claramente, porque senão não estávamos a falar sobre tudo isto.
NS: Em termos de políticas sociais implementadas pelo pelos sucessivos governos ao longo dos anos, na sua opinião, quais as que tiveram mais impacto, quer positivo quer negativo, naquilo que é o combate à pobreza, a exclusão social e outros problemas sociais?
TG: Quando eu comecei a trabalhar nesta área, havia uma iniciativa comunitária. Não estamos a falar de uma coisa nacional, mas que tinha uma intervenção integrada em quatro setores de atuação Vamos assim dizer, e que teve projectos muito interessantes, criou muitos postos de trabalho e promoveu a empregabilidade de muitas pessoas. Era a Iniciativa Comunitária EQUAL.
Deixa-mos de ter o foco naquilo que é o problema. Agora começamos a apontar outra vez para essa lógica do foco no problema. Mas durante muitos anos houve muito a valorização de números. E a área social, infelizmente, não se compadece só com números. Por exemplo a questão dos processos ou dos percursos formativos – quantas são as pessoas que começam processos formativos que depois não os concluem, mas que efetivamente, aqueles processos têm um papel muito importante para a sua integração social. Portanto, não se compadece a questão dos números exclusivamente em termos de metas alcançadas com aquilo que é o impacto da intervenção no setor social. Acho que aquilo que são ou aquelas que são as políticas que têm procurado valorizar a lógica da intervenção social de uma forma mais integrada tem um resultado diferente do que aquelas que vão só pelos números.
NS: Que estratégias de inovação é que as IPSS podem adaptar para dar resposta aos novos desafios que se apresentam?
TG: Acho que as IPSS têm um desafio muito grande. Vêem se obrigadas a ter que inovar para conseguir responder a aquilo que são os desafios que vão surgir. Mas têm sempre uma questão que são os recursos. Portanto, quando nós temos uma entidade que está a prestar o seu serviço, em que os recursos já são parcos para aquilo que se pretende, é difícil conseguir aumentar a sua capacidade de intervenção naquela ou noutra área se não houver um investimento em recursos, não é?
Por exemplo, nós sabemos que houve instituições que, em determinada altura, desenvolveram serviços complementares e a verdade é que isso implica recursos e implica uma gestão diferente também por parte de quem gere essas organizações.
Portanto, é preciso inovar. Mas isso implica que quem está no terreno e quem está à frente dessas organizações perceba essas necessidades e consiga ter essa visão de que, às vezes há questões que não são um custo de imediato, mas que são cruciais para poder haver depois um crescimento. Caso contrário acabamos por cristalizar aquilo que é a nossa actuação, aquilo que vamos fazendo e para aquilo que temos dinheiro.
Entrevista Conduzida Por André Azevedo