A Volta a Portugal da Solidariedade chega esta edição ao distrito de Santarém, que conta, de acordo com os dados publicados pela Segurança Social, em 2024, com 242 IPSS, sendo que 186 destas são associadas da União Distrital de Santarém (UDIPSSS). Tânia Gaspar, presidente da União, defende que todas elas “são instituições de relevância em cada um dos territórios em que estão inseridas”, mas também enfrentam diversos problemas, em especial, ao nível de recursos técnicos e financeiros.
Relevante é o forte investimento que muitas IPSS estão a fazer, à boleia do PRR, tendo o distrito de Santarém atraído cerca de 42 milhões de euros para investimento social e alargamento da capacidade de resposta às populações.
SOLIDARIEDADE - Que retrato se pode traçar das IPSS no distrito de Santarém?
TÂNIA GASPAR - As IPSS do distrito de Santarém são instituições de relevância em cada um dos territórios em que estão inseridas, desempenham um papel crucial por via das respostas que dispõem nas áreas da infância, deficiência ou de apoio às pessoas mais velhas, mas também são âncoras de emprego local, com todas as questões que se colocam a este nível! Não é fácil trabalhar neste sector e as instituições continuam a ter muita dificuldade em conseguir atrair pessoas para trabalhar, pelo tipo de trabalho, pelos horários, pelo salário… De um modo geral, são instituições que já estão no terreno há alguns anos, que dispõem de um histórico, mas que começam a enfrentar dificuldades ao nível financeiro e também na mobilização de pessoas para dar continuidade. A evolução demográfica é naturalmente uma preocupação, pois a solução não passa pela institucionalização das pessoas mais velhas ou dependentes, mas sim pela criação de respostas inovadoras, integradas, de proximidade e envolventes. As pessoas têm direito a viver nas suas casas, com a sua história de vida e este é um dos grandes desafios das nossas instituições.
Em termos de dimensão, qual é a realidade das instituições do distrito, sabendo-se que a sustentabilidade está muito ligada a esse aspeto?
De acordo com os dados estatísticos mais recentes que dispomos, as nossas IPSS garantem cerca de 6.350 postos de trabalho, 93% dos quais ocupados por pessoas do sexo feminino. No que respeita ao vínculo, 81% destes postos de trabalho são efectivos, sendo que apenas 22% são pessoas com formação técnica superior. Ao nível dirigente, contamos com cerca de 2.014 voluntários e apenas 13 dirigentes remunerados e, certamente, se tivéssemos informação sobre as faixas etárias em que se inserem iríamos para cima dos 40 anos. O voluntariado ainda é um compromisso pouco exercido, por parte das pessoas/comunidade e/ou de trabalho especializado, ao nível do apoio a este tipo de instituições. A retenção de capital humano e de conhecimento nas IPSS continuam a ser temas prementes para as instituições, face à volatilidade das suas equipas, às dificuldades de conseguir atrair novos recursos para trabalhar no sector, à crescente necessidade de serviços especializados face ao contexto individual de cada pessoa e de modo a garantir a saúde mental e emocional das pessoas que trabalham nestas instituições. Por outro lado, este é um tema premente e que carece de um outro olhar, pois os merecidos aumentos salariais acarretam desafios à saúde financeira das instituições e é preciso garantir uma boa gestão e a sustentabilidade das instituições.
A sustentabilidade das instituições é fundamental?
Há claramente uma necessidade de uma maior sustentabilidade, de acesso ao financiamento, de governação, de comunicação com o mercado, de seleção de oportunidades de revitalização e novos projetos que permitam, cada vez mais, otimizar recursos. No essencial, é o equilíbrio na sua gestão operacional, pois as receitas estão muito limitadas e o trabalho social não se compadece com isso. É necessário rever o actual modelo das respostas sociais: inovar, criando respostas alternativas que permitam desenvolver uma rede de cuidados por forma a adiar a institucionalização das pessoas que necessitam de um maior e mais diferenciado acompanhamento. Ao nível da infância existe uma necessidade de que se adequem as respostas consoante as necessidades das famílias, nomeadamente, a flexibilização de horários. Decorrente do processo de transição de competências, a UDIPSS Santarém preconiza uma maior cooperação entre as autarquias e instituições, na criação de respostas a necessidades e apoios locais. Reforçamos a necessidade de um trabalho em rede que promova o desenvolvimento de instituições mais fortes e resilientes. Teremos que trabalhar num novo ciclo para o sector social, valorizando o seu trabalho, em toda a sua plenitude. Somos um forte braço na sociedade, mas também precisamos que compreendam o enorme esforço que fazemos para levar a solidariedade a todos os cantos do nosso distrito. Esta Direção pretende estar cada vez mais próxima das suas associadas para recolher contributos, preocupações e expectativas, pois só assim poderemos alcançar o foco ao qual nos propusemos: defender os interesses da União e das suas Associadas.
Qual a grande lacuna em termos de respostas sociais no distrito?
Bem… o distrito conseguiu aumentar a sua capacidade de respostas sociais, no âmbito dos domínios da infância e apoio a pessoas mais velhas com os vários concursos recentemente realizados. Contudo, para responder de forma séria a esta questão implicaria conhecer o diagnóstico/mapeamento das respostas sociais no distrito – associadas e não associadas da UDIPSSS, depois de concluídos os projetos financiados ao abrigo do PRR e do PROCOOP e também ao nível das respostas privadas. Seria um interessante projeto para as entidades representativas do sector, ao nível do distrito, levarem a cabo em parceria com o Centro Distrital da Segurança Social. Por exemplo, só existem lares ilegais porque existe procura. Pensar o contrário é utópico. Temos de assumir que as respostas públicas não chegam para a procura, nem devemos limitar-nos a elas, nem devemos pensar que compete ao Estado resolver esta questão. O Estado deveria ser um facilitador na legalização destes lares, procurando que os mesmos se coloquem em conformidade com a lei e as regras de modo a protegermos as pessoas. É no somatório do público e privado que está a maturidade de uma sociedade que respeita os mais velhos e lhes proporciona uma velhice de qualidade. Contudo, atrevo-me a dizer que há uma lacuna grande ao nível das respostas de apoio a pessoas com doença mental. A este propósito, permitam-me referir que não compreendo como não há equiparação dos valores dos acordos das restantes respostas sociais, por exemplo. Os tempos têm-nos trazido novos desafios e Santarém começa também a ter uma comunidade significativa de pessoas em situação de sem-abrigo. Sabendo eu da complexidade desta questão, em que por vezes são opções das próprias pessoas, acredito que no contexto actual já existam outras realidades, e esta é uma área em que as respostas são inexistentes. Bem sabemos que há municípios que querem aproveitar os milhões do PRR para dar habitação condigna a milhares de pessoas, mas não chegam a este tipo de população que requer uma resposta mais integrada. Por outro lado, ao nível da infância e juventude, consideramos que há uma lacuna pela falta de técnicas que consigam dar o devido acompanhamento às crianças em risco – as equipas da CPCJ são uma resposta, de emergência social, de apoio às crianças, jovens e respetivas famílias.
Quais os grandes obstáculos que as IPSS do distrito enfrentam para melhor cumprirem a sua missão?
As instituições prestam um serviço ao Estado e todos sabemos que o custo destes serviços está muito abaixo dos custos reais. Assim, importa pagar o justo valor, portanto, diria que um dos grandes obstáculos são os recursos técnicos e financeiros! Não podemos aceitar pagar impostos como uma empresa normal (IVA, Segurança Social, etc.) e depois ter utentes que a comparticipação do Estado e dos utentes/famílias não paga o custo do serviço, obrigando dirigentes e técnicos/as a ir à procura de financiamentos, doações, etc., para o equilíbrio das instituições. É importante refletir com coragem e sem demagogias. O sector terá de ser valorizado, pois esquecemo-nos das trabalhadoras e trabalhadores, dedicados e incansáveis, que auferem remunerações mínimas, porque não existem condições de suporte que permitam ao sector criar riqueza para pagar melhor. É preciso repensar o modelo de financiamento das respostas sociais, não podemos aceitar que sejamos todos tratados da mesma forma. Há realidades muito diferenciadas (urbano/rural/interior/litoral) que carecem de um olhar diferenciador, garantindo que todos dispomos das mesmas condições para prestar o mesmo serviço! Temos de qualificar as respostas destinadas aos idosos. As ERPI e os Centros de Dia não podem continuar a ser indiferenciados, pelo que se torna essencial o desenvolvimento de novas soluções e serviços multidisciplinares de apoio a utentes e famílias. É preciso assumir estas variáveis. Só assim haverá melhor qualidade de vida das pessoas que apoiamos e o cumprimento da missão das instituições.
Como é a relação com as associadas e quais as solicitações mais frequentes que fazem à UDIPSS?
A relação com as associadas é boa, mas seria importante que fossem criados instrumentos que nos permitissem uma maior proximidade, acompanhamento das instituições e a dinamização de um trabalho em rede, o que nem sempre conseguimos por falta de recursos. As instituições solicitam sobretudo apoio técnico e jurídico, do foro da gestão ou laboral, e também nos convidam para muitas iniciativas, o que é bom, mas que infelizmente nem sempre conseguimos corresponder. As Uniões Distritais das IPSS carecem de um apoio que lhes permita o reforço e desenvolvimento de um apoio especializado às IPSS nos seus distritos, face às suas necessidades.
E como é a relação com a CNIS?
A relação da União com a CNIS é boa.
Como é que acha que a CNIS poderia estar mais próxima das Uniões e respetivas associadas?
A CNIS deve privilegiar a realização de espaços de maior cooperação e auscultação das Uniões e das suas associadas.
O PRR chegou às instituições do distrito?
Sim, chegou! O distrito de Santarém foi um dos distritos que conseguiu obter mais projetos aprovados no âmbito do PRR, sobretudo ao nível da área social. Muitas instituições aproveitaram esta oportunidade para ‘dar o salto’ e passar do sonho à realidade, não só por via do aumento da sua capacidade de resposta, mas também para o desenvolvimento de novas respostas, como é o caso da habitação colaborativa. Diria até que, em algumas situações, foi a oportunidade para pôr a casa em dia no que respeita ao número de respostas subvencionadas. Segundo a informação da Segurança Social, o PRR permitiu um investimento histórico de cerca de 42 milhões de euros que vão permitir o aumento da capacidade da resposta social no distrito de Santarém.
E as candidaturas aprovadas têm conseguido chegar ao terreno ou há concursos públicos a ficar desertos como em outros distritos?
Ora aí está o grande busílis da questão! Não nos podemos esquecer que o período das candidaturas foi prosseguido de um aumento exponencial dos custos de matéria-prima, como também ao nível da mão de obra. Os valores candidatados ficaram muito aquém dos valores reais das respectivas obras e este foi o primeiro grande desafio das instituições. Sobretudo porque fizeram muitos concursos que ficaram desertos, como as respostas que lhes foram apresentadas denunciavam claramente a inflação e a necessidade de reforço das verbas.Neste âmbito, houve naturalmente uma boa compreensão por parte da Segurança Social e dos municípios, que em muitos casos acabaram por investir nas respostas sociais e assumir uma comparticipação dos valores a descoberto. Contudo, não foi assim em todo o lado e houve instituições com muitas dificuldades a este nível! Recordo-me que em determinada altura, houve muitas instituições que partilharam connosco que, certamente, iriam abandonar a ideia dos projectos porque não conseguiam suportar a diferença de custos e porque não conseguiam encontrar empresas para lhes fazer as obras dentro dos prazos previstos. Pese embora sejam obras desenvolvidas ao abrigo de programas comunitários, não nos podemos esquecer do contexto… Hoje em dia, não há pessoas/empresas a trabalhar no ramo da construção como havia há uns anos, sobretudo por escassez de mão-de-obra, pelo que em muitos casos é muito difícil conseguir cumprir os prazos definidos em candidatura. Por outro lado, há uma componente burocrática de todo o processo, sobretudo pela necessidade de aplicação do Código da Contratação Pública, o que se tornou numa grande dor de cabeça para as instituições e para os seus dirigentes! As instituições do sector social dispõem de recursos especializados, sobretudo com formação na área social e em algumas situações na área da gestão, mas não na área jurídica. Ainda que tenham sido realizadas algumas sessões de esclarecimentos, a implementação de um procedimento de contratação pública, sobretudo de consultas prévias, são processos complexos e que requerem o domínio do Código da Contratação Pública, o que na maioria das situações não se verifica. Neste quadro, temos tido conhecimento de muitas situações, nomeadamente ao nível dos instrumentos do processo, das datas ou mesmo dos documentos que se traduzem em cortes severos para as instituições. Não podemos tratar o sector da economia social como uma PME ou uma multinacional. É preciso haver uma diferenciação! Compreendo a necessidade de haver mais rigor e transparência nos processos, que defendo, mas é preciso perceber o que estamos a fazer e como estamos a fazer. Creio que todos temos o mesmo objectivo: aproveitar este tipo de fundos para melhorar a nossa capacidade de resposta, como o próprio slogan indica ‘Recuperar Portugal’, mas não é com escritórios de advogados, em alguns casos, com pareceres técnicos sobre contratação pública feitos por estagiários/as que vamos lá!
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)